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  • Foto do escritorRoberto Francisco Mennuti

Emergência médica

Hospitais nem sempre são os mais seguros na hora de um incêndio.

Se o simples soar do alarme de incêndio tem o poder de deixar muita gente nervosa e até criar, em alguns casos, princípio de pânico, quer seja durante a exibição de uma peça de teatro, no expediente de trabalho dentro do escritório, ou nas compras em um shopping Center, imagine o que não provoca quando acontece dentro de um hospital? Com um público formado por pessoas, quase sempre, já em situação de emergência, em decorrência de alguma doença, cirurgia ou lesão grave, que lhe causa mobilidade reduzida ou total (idosos, bebês, pessoas acamadas nos leitos ou em coma em UTI’s), os hospitais figuram no topo da lista quando o assunto é preocupação com prevenção e abandono da estrutura.



Apesar disso, a questão nem sempre é tratada com a devida seriedade. Para o engenheiro do Instituto de Engenharia, Carlos Cotta, o maior problema hoje no Brasil é que os projetos, não só de hospitais, mas de qualquer outra estrutura, podem atender às normas de segurança contra incêndios e ainda assim apresentarem riscos, já que esses não foram pensados antes de sua concepção. Ele diz que é comum projetos que só visam o cumprimento legal de decretos e instruções do Corpo de Bombeiros, sem levar em conta as reais necessidades do perfil de uso e público a que aquele local irá servir.


É na planta de qualquer projeto que deveria nascer um plano específico de segurança contra incêndio, a partir da avaliação de arquitetos e especialistas em prevenção. E não só ser pensado depois que a estrutura está pronta, apenas para cumprir uma exigência legal.


Um exemplo é o decreto que prevê a instalação de detectores de fumaça apenas para edificações com mais de 60 metros de altura.


Se pensarmos quantos hospitais e clínicas temos no País com menos de três andares e que não utilizam esse tipo de equipamento, já nos deparamos com o quanto a legislação é falha nesse ponto. Só de não exigir o controle de fumaça para os locais que tratam doentes, independentemente da sua altura, já coloca em risco a estrutura e vida das pessoas que frequentam esses lugares. O profissional diz que esses equipamentos hoje são fundamentais não só para detectar o incêndio ainda no início, como também as centrais conseguem apontar, inclusive de onde a fumaça vem, facilitando o seu combate.


INCIDENTES SÃO COMUNS


Foi a fumaça, aliás, que em 2014 levou à transferência de 14 pacientes que estavam internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital Sancta Maggiore, no Itaim Bibi, em São Paulo. Na ocasião, o hospital informou que houve cinco quedas de energia, sendo que em uma delas, na rede termelétrica, teria provocado fumaça, acionando o Corpo de Bombeiros. Embora não tivesse sido detectado fogo no local, os pacientes da UTI acabaram transferidos por questões de segurança, já que os geradores também não funcionaram. Em agosto de 2012, um incêndio de grandes proporções, que atingiu os três andares do hospital Carlos Macieira, antigo hospital do Ipem, em São Luís (MA), também resultou na transferência dos pacientes, por conta do excesso de fumaça. Durante o incidente, não houve vítimas fatais. O fogo teria começado na área da farmácia, no primeiro andar, e só foi controlado depois de três horas, pelo Corpo de Bombeiros.


Mais recentemente, em maio desse ano, um incêndio também foi o motivo para a retirada de todos os pacientes do Hospital Santa Helena, em Cuiabá (MT). Segundo a direção do hospital, o foco começou em um quarto de enfermagem, localizado no 1º andar, mesmo andar onde ficavam a obstetrícia, sala de parto, pediatria e UTI neonatal. Não houve mortes. Apenas cinco recém-nascidos e 10 mães, que estavam internadas no local, foram levados pelas ambulâncias com maior urgência, para outros hospitais da região. Os demais pacientes não precisaram de uma transferência, passando apenas por triagem e realocados em setores do próprio hospital. A unidade tem aproximadamente 200 leitos.


Em 12 de setembro de 2019 um incêndio de grandes proporções atingiu o Hospital Badim, na Tijuca, Zona Norte do Rio, no início da noite, a unidade de saúde é uma das mais conhecidas da região e é considerada referência em diversas especialidades. O incêndio teria começado em um gerador do prédio antigo do hospital, próximo a um CTI que passou por obras recentemente. Estavam internados na unidade 103 pacientes. Eles foram levados às pressas para a calçada da rua, e depois transferidos em ambulâncias para o Hospital Israelita Albert Sabin, Hospital São Vicente de Paulo e para os hospitais da Rede D'Or. O saldo deste incêndio foi de 22 mortes.

COMPARTIMENTAÇÃO & SEGURANÇA


Justamente pela fragilidade do público e dificuldade para o abandono desse tipo de edificação, uma das medidas de prevenção e segurança mais eficientes, segundo o engenheiro Cotta, são as áreas de compartimentação. Ele explica que esses locais são, em geral, áreas de refúgio especialmente projetadas para impedir a passagem d calor e fumaça.


São locais em que os pacientes podem ficar em segurança, sem a necessidade de abandono imediato do local. Claro que elas não são planejadas para suportar altas temperaturas por diversas horas, mas são perfeitamente capazes de garantir a segurança por um período em que o fogo seja combatido.


Nas unidades do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, há setores que contam com compartimentação, quer seja de um bloco para outro, por meio de passarela, quer seja para áreas tidas como “seguras”, protegidas por portas anti-fogo, que suportam um tempo maior de calor, sem ser atingida. Na unidade Morumbi, por exemplo, o hospital conta com os blocos A, B, C, D, E e AI.


Em exercícios de simulação, o hospital sempre treina como pode ser feito o resgate de pacientes, no caso de uma emergência.


“Trabalhamos preferencialmente com o abandono horizontal de pacientes em estado mais grave de saúde, como de UTI e pós-operatório, feito através dessas áreas de compartimentação. Somente em último caso é que optamos pelo abandono vertical”, explica o gerente de Segurança Patrimonial e Co-responsável pelo Comitê de Catástrofe da instituição do Hospital Albert Einstein, Dov Smaletz.


O engenheiro Cotta concorda que esse é o melhor caminho para os hospitais lidarem com situações de emergência. Já que não há saída por rotas tradicionais de fuga, como escadas, para pacientes acamados, por exemplo, seria extremamente lenta, o que não é muito bom em casos de incêndio, além de perigosa para a saúde do enfermo. “Um paciente que esteja no pós operatório ou que tenha a indicação médica de não se mover não poderá simplesmente ser retirado do hospital por uma rota de fuga vertical”, afirma.


Para ele, quanto mais segmentado for o projeto, menor é a probabilidade do fogo tomar proporções maiores. Ele defende, inclusive, a adoção de área de compartilhamento para todos os andares do hospital e não apenas para áreas de maior risco, como as UTI’s ou centros cirúrgicos.


EQUIPAMENTOS ADEQUADOS


Outro erro comum, segundo o engenheiro, é a opção por determinados equipamentos de segurança ativa ou combate não adequado ao perfil do lugar. Ele explica que sprinklers em hospitais, embora possam ser eficientes para acabar com princípios de fogo, também podem danificar os equipamentos hospitalares e até favorecerem novos curtos circuitos. Uma alternativa, para esses casos, aponta o engenheiro, são os sistemas de incêndio Water Mist, que utilizam água pressurizada, através de uma tubulação para bicos especiais, que nebulizam essa água no ambiente protegido. Esses bicos especiais, no caso de incêndio, nebulizam a água, sob a forma de nano-gotículas, que quando se aproxima do fogo, se transforma em vapor de baixa temperatura. Isso faz com que, em um processo acelerado de resfriamento, consiga, em pouco tempo que a temperatura seja reduzida. Esse vapor de água de baixa temperatura também aumenta muito a umidade do ambiente, impedindo que o fogo procure novo suprimento de oxigênio para realimentar as chamas. Com isso, um sistema de incêndio Water Mist extingue o incêndio muito rapidamente, com poucos danos materiais causados pela água.


"Nossa ideia agora é criar uma legislação para esse tipo de equipamento no Brasil, que não só é mais eficiente no combate do fogo em locais em grande volume de água podem causar prejuízo”. Assinala. O engenheiro também chama a atenção para a questão de que hospitais se preocuparem com a pressurização de escadas, mas quase nunca com a de elevadores. Ele diz que, se um automóvel pegar fogo no subsolo de um hospital que não possuir elevador pressurizado, por exemplo, a fumaça poderá atingir toda instalação em pouco tempo.


Cotta também lista como essencial o uso de dois geradores de energia, para o caso de um falhar justamente quando o seu uso se fizer necessário, além de um pesado investimento em treinamento de pessoal, brigadistas e bombeiro civil contratado.


Mesmo hospitais que não pensaram na questão da segurança contra incêndio em seu projeto, tem como adequar suas instalações, tomando-a muito mais segura e eficiente para o caso de uma emergência. O que não pode é simplesmente obedecer à legislação, sem olhar para dentro da sua estrutura e avaliar os riscos de cada um dos setores, desenvolvendo ações individuais para cada local.

REDES BUSCAM EXCELÊNCIA


Tudo o que um hospital não quer, independentemente de ser um estabelecimento público ou da rede privada, é ter em seu histórico um episódio de incêndio. Muitas redes de hospitais de renome, além de investirem pesado em equipamentos de segurança e treinamento de pessoal, decidiram ir além: incorporaram exercícios periódicos de simulações de incêndio e abandono, apesar de toda dificuldade pelo perfil de negócio que administram.


“Todos os setores são testados durante o ano. Alguns setores são mais críticos e, por isso, necessitam de mais de um exercício de simulação de emergência ao ano. É o caso da cozinha, laboratório, casa de máquina e geradores, por exemplo. Hoje realizamos exercícios de simulação de emergência até semanais, sem que os funcionários sejam avisados”, explica o gerente de Segurança Patrimonial e Co-responsável pelo Comitê de Catástrofe da instituição do Hospital Albert Einstein, Dov Smaletz.


A unidade do hospital Albert Einstein, no Morumbi, foi a primeira da América Latina a simular exercício de incêndio vertical com o hospital em funcionamento, em 2012. O local testado foi o 10 andar, onde havia o setor de hemodiálise e apartamentos comuns. Na ocasião, foram usados atores voluntários, que se passaram pelos pacientes.


“Desde então já realizamos vários outros simulados (de grande proporção), com a presença do Corpo de Bombeiros”.


“Achamos de extrema importância que o órgão conheça de perto as instalações do hospital para que, no caso de uma emergência, saiba exatamente como ele funciona por dentro”, explica o executivo.


A rede de hospitais Albert Einstein conta ainda com um Comitê de Catástrofe, que realiza há três anos um simpósio Internacional de Crise e Catástrofe. A ideia é prever, durante esses encontros, grandes catástrofes que podem acometer a cidade de São Paulo e de que forma ela seria administrada. O simpósio conta com a participação dos principais órgãos públicos, como polícias militares e civil, Corpo de Bombeiros, Samu, e outros hospitais, inclusive da rede pública.


TREINAMENTO DIFERENCIADO


Além das rotas de fugas formadas por áreas compartimentadas, o Einstein conta com as tradicionais, com escadas externas em alguns blocos e internas (todas enclausuradas) e com largura suficiente para a passagem de maca com pacientes. O hospital também conta com uma central de emergência, com ramal exclusivo, e todos os equipamentos de segurança contra incêndio previstos por lei. Todas as unidades do Einstein são submetidas aos treinamentos, inclusive os hospitais municipais do M’Boi Mirim e da Vila Santa Catarina. Só na unidade Morumbi, fora os colaboradores, circulam por dia cerca de 4,5 mil pessoas (visitantes pacientes em consulta ou exame, e acompanhantes).


No caso de uma emergência, o hospital trabalha ainda com um protocolo, que divide o público interno do hospital em três categorias, cada um com um papel diferenciado para o caso de uma emergência: administração (que não faz parte da brigada de incêndio). Em caso de fumaça ou qualquer outro princípio de incêndio, são orientados a discar o ramal da emergência e acionar manualmente o alarme. Devem aguardar ordem de abandono do prédio, que virá do bombeiro civil (do próprio hospital), de algum brigadista ou do próprio Corpo de Bombeiros do estado.


Depois disso, são orientados a fazer o abandono do prédio conforme exercícios e simulados e se direcionarem a um dos pontos de encontro, conforme treinamento; brigadistas, que é considerado no hospital o público treinado para atuar de forma assertiva em casos de sinistros. São preparados em treinamentos e exercícios semanais de simulação de emergência.


E a terceira e última categoria, formada pela equipe assistencial (médicos, enfermeiras, técnicos e auxiliares), que são treinados para auxiliar e solicitar a remoção de pacientes acamados e que necessitem de ajuda para abandonar o prédio.


Na rede de hospitais São Luiz, a preocupação com prevenção contra incêndio também é tema recorrente. Em todas as instalações, de acordo com a superintendente de Segurança do Trabalho do Hospital São Luiz, unidade Itaim, em São Paulo. Laureen Panadés há sempre setores compartimentados.


“Não temos comunicação entre os blocos em todos os andares. Mas há compartimentação entre todos eles. Em caso de emergência, é possível utilizar essas saídas como rotas de fuga, permitindo que o paciente continue dentro do hospital, sendo tratado, mesmo após o abandono”, explica.


Na unidade Itaim, o primeiro grande simulado por setor aconteceu em 2013. Na época, a área testada foi a da maternidade. Foram utilizadas bonecas no lugar dos bebês e parte dos brigadistas atuaram como mães e acompanhantes, enquanto a equipe médica e o restante dos brigadistas faziam a retirada dos pacientes.

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