Por oferecer riscos adicionais, legislação é mais rigorosa no setor de hotelaria.

Nos dias de hoje, muitos hotéis funcionam como verdadeiros centros de entretenimento. Abrigam grandes eventos ou são palco de convenções dos mais diversos tipos e temas, são reconhecidos pela alta gastronomia servida em seus restaurantes e classificados como ambientes multiuso. Por todas essas particularidades, esse tipo de construção é vista com uma preocupação maior do que edificações residenciais. Segundo os bombeiros, as exigências de segurança são maiores para esse tipo de habitação.
“Embora a hotelaria apresente os mesmos riscos de acidentes com incêndio se comparado à outras atividades comerciais, existem fatores específicos que a diferencia como, por exemplo, a despreocupação dos hóspedes quando estão dormindo ou descontraídos no estabelecimento, e riscos adicionais em eventos e congressos, onde pode haver um aglomerado de pessoas”, afirma o bombeiro civil Benedito Bernardes Domingos, secretário do Conselho Nacional de Bombeiro Civil (CNBC) de Minas Gerais.
Projetados e equipados para receber pessoas de forma temporária um dos maiores desafios desses locais é garantir que os clientes se sintam como se estivessem em uma extensão de suas casas.
Domingos diz que é de extrema importância que o hóspede reconheça que o hotel está preocupado com estes eventos adversos e que tenha uma equipe de brigadistas pronta para atender em caso de necessidade.
“Quando se fala de brigadistas, esses devem ser treinados de acordo com as normatizações e leis de cada estado. No meu entender, creio que todos os funcionários, desde o diretor até o menor escalão, devem ser treinados, cada um em suas especialidades”, explica:
O colaborador treinado traz uma sensação de segurança para o hóspede e consequentemente o retorno e mídias espontâneas, além do menor tempo de resposta para caso de sinistros. Em um incêndio, quanto menor o tempo de resposta, menores serão os prejuízos com vidas, patrimônio e meio ambiente”, assinala.
No estado de São Paulo, a norma que trata do assunto é o Decreto Estadual 56.819, de 2011, do Corpo de Bombeiros. Nele, há uma tabela de orientação, a 6B, sobre que mecanismos de segurança devem fazer parte do projeto de prevenção de hotéis.
“O decreto vai se tornando mais rigoroso e as exigências se elevam, na medida em que o hotel fica mais alto”, explica o capitão do Departamento de Prevenção Corpo de Bombeiros da Polícia Militar de São Paulo, Alexandre De Raga.
Dentre as exigências, uma das que se diferencia em relação a edifícios residenciais, por exemplo, diz respeito à adoção de chuveiros automáticos, que podem ser usados no lugar da compartimentação do horizontal, já a partir de seis metros de altura, o que corresponde a um prédio de três andares. Enquanto que no residencial não há exigência de instalação desse tipo de equipamento de combate.
A partir de 30 metros de altura já são exigidos sistemas de detecção de fumaça em todas as edificações e a compartimentação e sprinklers passam a ser obrigatórios, não podendo mais escolher entre um e outro.
Para hotéis acima de 60 metros, Raga explica que as exigências se tomam ainda mais rigorosas, criando a necessidade de execução de plano de abandono e emergência, instalação de sistema não só detecção de fumaça como também de controle de fumaça e elevadores de segurança, além de outros itens já exigidos para edificações menores.
Visando maior segurança, muitas redes de hotéis, especialmente os de grande porte, decidiram adotar em seus projetos o uso de equipamentos que permitam o rápido abandono do local, assim como a preservação do patrimônio. Instalação de chuveiros automáticos em todos os ambientes, sistemas de controle de fumaça, elevadores protegidos contra fogo, escadas enclausuradas, alarmes sonoros e com gravações de mensagens específicas sobre como proceder no caso de uma emergência, são apenas alguns dos exemplos desses investimentos.
“O Maksoud foi o primeiro a ter um elevador totalmente protegido, usado até então apenas por hospitais. Isso mostra a preocupação desses locais com a segurança dos seus hóspedes”, diz o consultor em segurança de grandes empresas, José Miguel D’encamação, que esteve à frente do projeto inicial de prevenção contra incêndio do hotel Maksoud, por ocasião de seu lançamento.
Por outro lado, o consultor diz que nem todos os hotéis demonstram esse tipo de preocupação, principalmente quando estão mais distantes dos grandes centros urbanos. “A situação nesses locais ainda é preocupante. Às vezes se tem todos os equipamentos previstos na lei, mas não há treinamento adequado para responder a uma emergência!”, comenta o especialista.
Ele conta que já vivenciou três experiências com princípios de incêndio. Duas delas ocorreram fora do brasil e tiveram desfechos diferentes. Na primeira, ele diz que estava hospedado em um hotel em Miami e, pouco antes de se deitar, às 11 horas da noite, escutou o disparo do alarme de incêndio.
Após descer 25 andares pelas escadas de incêndio correndo, foi informado pelo recepcionista de que devia ser apenas um defeito no alarme e de que poderia voltar para os seu quarto. Mesmo contrariado voltou. Três da manhã alarme voltou a soar. Ele diz que não teve dúvidas desceu novamente as escadas correndo, dessa vez carregando sua mala, e nem se preocupou em saber se era defeito ou não no alarme, fez o ckeck-out e deixou o hotel.
A segunda experiência também foi no Estados Unidos, em Nova Orleans. Só que, diferentemente da primeira, quando o alarme de incêndio soou, ele veio acompanhando de uma mensagem para que todos evacuassem o quanto antes o hotel. Dessa vez, o consultor conta que estava no 14º andar, o que facilitou a descida. Na recepção, foi prontamente avisado de que havia tido um foco de incêndio que já estava sendo combatido, provocado por um hóspede com charuto aceso, que havia sido detectado pelo sistema de detecção de fumaça.
Ele diz que, enquanto no primeiro hotel só ele e mais um gringo desceram em busca de informações, no outro hotel todos os hóspedes, ao ouvir a mensagem para evacuar o local, acabaram seguindo a orem e desceram. Para ele, foi a abordagem do hotel em Nova Orleans que fez toda a diferença.
A última experiência com incêndio nesse tipo de estabelecimento foi a mais traumática para o consultor, embora tenha ocorrido em seu País, o Brasil. Ele lembra que estava em um hotel na cidade de Natal (RN), no 12º andar, quando o alarme de incêndio disparou. Ao contrário das outras situações, em que ele conseguiu sair tranquilamente pela escada de segurança, foi surpreendido por uma escuridão total, já que as luzes de todo o hotel se apagaram ao mesmo tempo em que o alarme começou a tocar.
A experiência que o consultor diz tirar dos episódios é que, enquanto a mentalidade dos donos dos hotéis não for de que a segurança deve ser sempre primordial, não adiantará investir em equipamentos de última geração, se não tiver absolutamente convencido da importância de um bom plano de segurança. “Ele tem de estar consciente que tem um hotel em mãos. São vidas sob sua responsabilidade. Se não houver essa consciência do quanto é importante investir na capacitação de pessoas, planos de abandono, equipamentos de primeira linha, podemos ver casos como o da Boate Kiss voltar a se repetir”, diz.
O bombeiro civil Domingos diz que já chegou a cancelar uma hospedagem de 50 dias por conta de extintores vencidos. Para ele, é possível sim eliminar o risco de incêndio com um programa de segurança bem feito e bem aplicado.
“O investimento na instalação do programa é imprescindível. É preciso que se utilizem materiais de boa qualidade, que se faça as inspeções periódicas com eficiência e que todas estas inspeções sejam registradas em documento próprio, e ainda que as rotas de fuga sejam sempre desimpedidas, mas principalmente que os hóspedes sejam informados dos riscos e dos controles e rotas de fuga existentes na edificação”, avalia.
Em relação à rota de fuga, saída de emergência e sinalização em geral, o bombeiro civil diz que é importante o hotel sinalizar de forma adequada e ainda investir na divulgação de informações de outras maneiras para os hóspedes, como folders nos apartamentos, vídeo explicativo, entre outros.
Essa também é a opinião de D’encarnação, para quem no hotel deveria ter algum tipo de roteiro informativo na hora do check-in, sobre saídas de emergência e equipamentos de combate, que poderiam ser incluídos, por exemplo, durante a entrega do quarto, momento em que normalmente o funcionário informa onde está localizado o banheiro, armário, cofre, etc.
O coordenador da ABSpk, Felipe Melo, diz que dependendo do tamanho do hotel, ele já é obrigado a divulgar mapa, com plano de abandono nos quartos, para que os hóspedes se orientem, no caso de uma emergência. No entanto, ele concorda que muitos sequer notam esse informativo.
Além dos desafios de manter equipamentos de segurança de qualidade, equipe treinada e planos de abandono, muitos hotéis têm de lidar ainda com mais um obstáculo: o de funcionar em prédio tombado ou muito antigo”.
“O negócio de lazer é um dos indutores da hotelaria no Brasil e no mundo e, em cidades históricas, os prédios antigos trazem uma preocupação imensa, pois os empresários querem atender às normatizações, mas dando um conforto histórico para os hóspedes. Assim, os projetos de prevenção e combate a incêndio muitas vezes podem ficar um pouco comprometidos quando é travada uma batalha com a arquitetura", diz o bombeiro civil Domingos.
Todas as edificações que estão construídas, ou que ainda sofrerão reformas ou aumento superior a 10% da área total, devem desenvolver um programa de segurança e prevenção contra incêndio. “No caso específico de hotéis, todo o programa deve ser executado na íntegra, com uma atenção especial ao tipo de público que frequenta o mesmo, pois é uma população flutuante e o hotel raramente sabe das condições físicas do hóspede”, explica.
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